Parte 6: Equiparação Hospitalar para Fins Tributários: Uma Análise Jurisprudencial e Doutrinária
- contabilidaderesol
- 17 de out.
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Introdução
Em postagens anteriores neste blog, abordamos o instituto da equiparação hospitalar a partir do viés contábil, financeiro, e sobretudo administrativo - perante a Receita Federal. Nos próximos textos abordaremos o viés jurídico deste benefício tributário.
Neste ponto, é importante destacar que a partir do ano de 2008, por meio da Lei de n.º 11.727/2008 a redação do artigo 15, inciso III, alínea (a) do artigo 15 da Lei 9.249/95 definiu que “os serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária” estariam sujeitos à base de cálculo de 8% (oito por cento), ao passo que a “prestação de serviços em geral” ficariam sujeitos à alíquota de 32% (trinta e dois por cento).
Este dispositivo de lei, abriu espaço para interpretações do texto normativo. A divergência mais importante, culminou no julgamento do julgamento do REsp n.º 1.116.399/BA e a fixação da tese de que “Para fins do pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão serviços hospitalares, constante do artigo 15, §1º,inciso III, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pelo contribuinte), devendo ser considerados serviços hospitalares aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde, de sorte que, em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos.”, no Tema 217 do STJ.
A partir disso, surgiram mais dúvidas. O que o termo quer dizer? O que é equiparável a hospital? Uma clínica, que presta os mesmos serviços prestados por um hospital, pode se beneficiar das alíquotas reduzidas? O médico PJ que presta serviço para terceiro e no ambiente do terceiro, pode pedir a redução de alíquotas?
No que se refere à lei seca, é importante destacar que para os serviços de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas não há que se falar em interpretação diversa. Afinal, é a implicação do próprio dispositivo de lei. Porém, pairava a seguinte dúvida: “este rol é exemplificativo ou é taxativo?”
Esta dúvida junto com incerteza a respeito do significado jurídico do termo “serviços hospitalares”, foram os agentes da discussão do tema no STJ e continuam atuando como as personagens que norteiam as decisões judiciais tanto de primeira instância como de segunda instância.
Análise dos Precedentes
A análise dos precedentes revelou que a jurisprudência sobre a equiparação hospitalar é dinâmica e exige uma compreensão aprofundada dos requisitos legais e dos entendimentos consolidados. Por vezes, o TRF4 mudou o seu entendimento. Desde a nomeação do Desembargador Leandro Paulsen, as decisões mantêm certa previsibilidade. No entanto, isso não quer dizer que o TRF4 segue o entendimento do STJ.
Dito isso, independentemente do entendimento fixado, os principais pontos observados são: i) O Requisito da Sociedade Empresária de Fato; ii) A Posse do Alvará de Funcionamento (Conformidade com as Normas da Anvisa). As demais questões estão relacionadas a estes pontos.
I) O Requisito da Sociedade Empresária
Médico que presta serviço em ambientes de terceiros, por meio da da Contratação da sua Pessoa Jurídica, têm direito ao benefício tributário?
Antes das considerações a respeito deste requisito, adiantamos que a resposta do TRF4 é negativa. Para esse Tribunal o médico que presta serviço em ambientes de terceiros não tem direito ao benefício tributário.
O Tribunal entende que a organização da pessoa jurídica sob a forma de sociedade empresária não é o bastante, é necessário que esta forma seja observada DE FATO. A jurisprudência do TRF4 tem sido rigorosa ao exigir que a sociedade não seja meramente uma "sociedade simples" ou "uniprofissional" que instrumentaliza o exercício pessoal da profissão dos sócios.
O registro na Junta Comercial, por si só, não é suficiente. É necessário que a clínica demonstre materialmente uma organização de capital e trabalho, com propósito negocial, evidenciando a exploração de uma atividade econômica organizada para a produção de serviços, e não apenas a prestação de serviços pessoais dos sócios. Precedentes desfavoráveis frequentemente apontam a ausência dessa materialidade empresarial como motivo para negar o benefício.
Este requisito implica no entendimento de que Custos Diferenciados da Operação da Sociedade Empresária de Fato devem ser relevantes. A comprovação de custos diferenciados tem sido um fator determinante para o reconhecimento da equiparação. É necessário demonstrar para o TRF4 os investimentos significativos em tecnologia, equipamentos de alta complexidade, infraestrutura e contratação de pessoal especializado.
Segundo o entendimento deste Tribunal, a ausência desses custos pode indicar que a atividade não possui a complexidade e o risco que a lei pretende beneficiar, levando a decisões desfavoráveis. Casos em que a clínica presta serviços em instalações de terceiros, sem arcar com os custos operacionais mais significativos, são julgados improcedentes.
Dito isso, em sede de recurso para o STJ, é possível modificar a decisão do TRF4? Apresentamos duas respostas para essa pergunta, a primeira é “SIM”, a segunda é “DEPENDE”.
De forma resumida, SIM porque o STJ entende que “ainda que a utilização da infraestrutura hospitalar de terceiro possa ser considerada indício de que o sujeito passivo não está constituído como sociedade empresária, esse dado não pode servir como único critério para o indeferimento do benefício fiscal”. Então, nos casos em que o TRF4 fundamenta a sua decisão apenas com base nos custos diferenciados, o entendimento do STJ é que essa decisão deve ser reformada.
Também respondemos que DEPENDE porque o STJ não pode reformar a decisão. O Superior Tribunal de Justiça não é um Tribunal de Julgamento de Mérito. Dito isso, por mais que ele sinalize a interpretação que deve ser dada ao julgar uma questão, em vez de ele mesmo reformar, ele determina que o Tribunal Regional faça novo julgamento, atentando-se para o entendimento da Corte Superior.
É a partir dessa celeuma que a insegurança jurídica, típica do nosso ordenamento jurídico, aparece. No caso concreto que vamos melhor explicar e detalhar, o TRF4, em rejulgamento, em que pese não tenha mantido a decisão “nas mesmas palavras”, proferiu nova decisão com os mesmos fundamentos do acórdão que o STJ, em sede de Recurso Especial, havia declarado que não estava consonante com o entendimento adequado para o caso.
Na prática, mesmo que o STJ expresse entendimento pró-contribuinte, nesses casos de médicos PJ que prestam o serviço em ambiente de terceiro, o TRF4 não julga novamente para reformar os efeitos de fato da decisão. Diante disso, o que deve ser feito? Novo recurso para o STJ. Mas daí vai voltar para o TRF4? Isso mesmo. Esse mesmo quadro ocorre em relação aos pedidos de equiparação hospitalar para clínicas odontológicas - abordaremos em outro texto.
Caso concreto do processo de n.º 50121236420224047100

No precedente intitulado, a parte autora impetrou Mandado de Segurança requerendo a equiparação hospitalar para redução de alíquota de tributos. Narrou que é sociedade empresária limitada, com registro na Junta Comercial e que presta serviços médicos hospitalares na área de gastroenterologia e endoscopia digestiva, com consultas e procedimentos de urologia, proctologia, clínica geral, cirurgia geral, com realização de consultas e procedimentos cirúrgicos. Afirmou que atua na sua Policlínica própria, a qual possui alvará de saúde para realização de procedimentos, bem como nos hospitais Santa Casa de Misericórdia e Divina Providência, ambos de Porto Alegre, os quais são tomadores dos seus serviços, juntamente com o Consórcio Municipal do Vale do Caí.
Em primeiro grau, o pleito foi julgado procedente. O Magistrado fundamentou que “o que deve ser analisado é a natureza da atividade desempenhada, e não a estrutura ou a comprovação de custos diferenciados na prestação dos serviços que justifiquem a obtenção do benefício fiscal”. Acrescentou que “não é determinante para o enquadramento legal a existência de estrutura física própria, a aquisição de maquinário ou mesmo a utilização de empregados para a consecução das atividades desempenhadas”. Finalizou dizendo que “o impetrante demonstrou a efetiva prestação dos serviços de médicos na área de clínica médica, urologia e coloproctologia, com a realização de consultas, exames, procedimentos e/ou cirurgias através das notas fiscais de serviço eletrônicas. Tratam-se de atividades que se inserem no conceito de serviços hospitalares segundo o entendimento até aqui explicitado, não sendo necessária a comprovação de custos diferenciados”.
Em segundo grau, por unanimidade, a sentença foi reformada, para declarar a improcedência do pedido do contribuinte. A Relatora fundamentou que “se deve distinguir as situações de natureza menos complexas, resultando em custos menores; e os mais elaborados, em que o contribuinte necessita arcar com uma diferenciada onerosidade para a prestação dos serviços.” Acrescentou que “a tributação favorecida sobre receitas de prestação de serviços hospitalares se justifica pelo custo diferenciado de tais atividades, a necessidade de alto investimento tecnológico e de pessoal, não se exigindo, necessariamente, a internação dos pacientes.” Finalizou dizendo que “a impetrante apenas presta serviços médicos utilizando a estrutura das entidades hospitalares. Os custos maiores, a toda evidência, são suportados pelos hospitais, e não pela impetrante, que apenas promove atendimento médico”.
Em face do resultado desfavorável, o contribuinte interpôs Recurso Especial (Resp n.º 2339003/RS). Em sede de Recurso Especial, o Ministro Paulo Sérgio Domingues proferiu decisão monocrática no sentido de que “ainda que a utilização da infraestrutura hospitalar de terceiro possa ser considerada indício de que o sujeito passivo não está constituído como sociedade empresária, esse dado não pode servir como único critério para o indeferimento do benefício fiscal”. Dito isso, determinou que o TRF4 procedesse ao rejulgamento do recurso de apelação em conformidade com essa fundamentação.
O TRF4, por outro lado, proferiu novo julgamento, com fundamentação muito semelhante, mantendo, na prática, os efeitos da decisão anterior. Novamente, o contribuinte interpôs Recurso Especial, o qual ainda pende de julgamento.
5.4. Conformidade com as Normas da ANVISA
O atendimento às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é um requisito legal para a concessão do benefício. A posse de alvará de funcionamento e a comprovação de conformidade com as regulamentações sanitárias são elementos que reforçam a tese da equiparação, demonstrando que a clínica possui a estrutura mínima exigida para a realização de procedimentos complexos.
Este é o entendimento majoritário. No entanto, decisões recentes indicam que esta condição pode ser suprimida pelo próprio alvará de funcionamento, uma vez que não há clareza em relação a quais normas da ANVISA devem ser atendidas.
A principal implicação da jurisprudência é a necessidade de ir além da mera formalidade. Não basta que a clínica esteja registrada como sociedade empresária; é preciso que sua operação reflita uma verdadeira atividade empresarial, com organização de fatores de produção e assunção de riscos inerentes a procedimentos de saúde complexos.
As linhas de argumentação devem focar na demonstração da natureza objetiva dos serviços prestados, destacando a realização de procedimentos que se vinculam diretamente à promoção da saúde e que demandam estrutura e custos diferenciados. A comprovação da materialidade empresarial, com evidências de investimentos em tecnologia, equipamentos e pessoal especializado, é crucial. Além disso, a conformidade com as normas da ANVISA reforça a tese.
É fundamental que a defesa antecipe os argumentos da Fazenda Nacional, utilizando os precedentes desfavoráveis como contraponto para demonstrar que a clínica em questão cumpre os requisitos que faltaram em outros casos. A distinção clara entre consultas simples e procedimentos hospitalares é igualmente importante para delimitar o escopo do benefício.








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